Memórias hiperbólicas de dias bizarros I

Depois de um dia exaustivamente exausto eu sempre acho que pior do que está não fica. Mas sempre pode piorar. Com o balanço do ônibus lotado, em pé e com a cabeça levemente apoiada no braço, eu ia e vinha em cochilos intermitentes. Santa coincidência do destino e maldita memória que me fez esquecer o crachá do hospital pendurado no pescoço que, juntamente com a calça e o tênis branco faziam de mim a referência que ninguém gostaria de ser naquele estado de torpor.

O ônibus parou e várias cabecinhas curiosas estavam fora da janela pra ver o que estava acontecendo. Inclusive a minha. Uma mulher irritavelmente histérica pedia por ajuda e um homem de meia idade estava estirado no chão perto do meio fio.

Puta que pariu, pensei enquanto me desesperava. Vou ter que ir até lá antes que alguém consiga me matar com os olhos. Desci do ônibus com toda a calma que Deus não me deu, pedi pra mulher ligar pro SAMU e por gentiliza tentar se acalmar pra eu poder raciocinar.

- Verificar obstrução de vias aéreas
- Pulso
- Respiração
- Nível de consciência

Tá, é isso aí, pensei. Então me aproximei. Posição de três pontos. Momento de tensão.

- Senhor, senhor, está me escutando?

Foi aí que senti aquele bafo de cachaça. Maldita Lei de Murphy!